Por Sérgio Martins
Jornalista
Matéria publicada originalmente na revista Veja. Edição 2189 - ano 43 - nº 44
Os shows de Paul McCartney no Brasil e o relançamento dos discos-solo de John Lennon são uma boa oportunidade para reavivar o mais irresistível debate do Rock: qual dos dois foi o maior beatle?
Entre os fãs de Rock, há uma disputa ancestral para decidir qual é a maior banda de todos os tempos - os Beatles ou os Rolling Stones. E uma divisão ainda mais acirrada corre entre os partidários do quarteto de Liverpool: O Fla-Flu musical entre os parceiros (e depois cordiais inimigos) John Lennon e Paul McCartney, que assinam a maior parte das canções dos Beatles. Dois eventos desta semana permitirão que os beatlemaníacos revisem ou reforcem suas posições nessa querela. Comemorando os 70 anos de nascimento de Lennon e lembrando os trinta de sua morte, que se completarão em 8 de dezembro, está chegando às lojas a reedição completa dos discos-solo do compositor de Imagine, um álbum original e três compilações. E McCartney, 68 anos e ainda o ''beatle bonitão'', desembarca para shows no próximo domingo em Porto Alegre e, nos dias 21 e 22 em São Paulo. Os mais equilibrados argumentarão que esse debate é inútil. Ambos, afinal, eram músicos de talento excepcional, aos quais se pode creditar a invenção do POP. A natureza do fã, porém, tem pouco de equilíbrio - e muito de exaltação.
A criação dos Beatles, em torno de 1960, deve-se sobretudo a Lennon, e nos primeiros anos foi ele seu líder e porta-voz inconteste. Também foi Lennon quem mudou as canções pueris e açucaradas dos primórdios da banda para composições de mais fôlego, ousadas na crítica social e adultas na exploração de dramas pessoais. McCartney assumiu a liderança de fato dos Beatles em 1966, fase em que Lennon estava mais interessado em experiências psicodélicas do que no trabalho de gravação (foi McCartney, entretanto o primeiro beatle a experimentar LSD). Por tanto, o motor criativo dos melhores discos da banda, como Revolver e Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, foi McCartney. Em contraste com o parceiro disciplinado, Lennon era também errático. O técnico de som Geoff Emerick lembra que McCartney dava instruções técnicas, precisas, enquanto Lennon pedia coisas como ''faça-me soar como o Dalai Lama pregando no topo de uma montanha''. Ainda assim, Lennon saía-se com ousadias que até hoje soam criativas e modernas. É o caso de Tomorrow Never Knows, com seus efeitos de guitarra e instrumentos tocando de trás para a frente. Também fpo Lennon quem deu forma revolucionária à canção mais ousada de Sgt. Pepper´s - A Day In Life, uma das últimas parcerias efetivas da dupla.
Nunca totalmente sozinho: Paul McCartney voltou a tocar músicas de John Lennon, o seu eterno parceiro e rival.
Não se deve concluir daí, porém, que McCartney fosse o ''quadradão'' da banda. O biógrafo Barry Miles derrubou esse velho lugar comum. Era McCartney, e não Lennon, quem frequentava o mundo da moda e as galerias de arte (ainda que Lennon tivesse passado pela Liverpool School Of Art e fosse um desenhista talentoso). As várias guinadas musicais do grupo foram quase sempre capitaneadas por McCartney. E esse espítiro inquieto resiste. McCartney surpreendeu os que o acusavam de compor apenas baladas adocicadas quando lançou o projeto The Fireman, em 1994. Trata-se de um trabalho de música eletrônica, gravado ao lado de Youth, baixista do grupo pós-Punk Killing Joke. A parceria foi renovada em um disco de 2008, Eletric Arguments (esse McCartney de rave, porém, não comparece aos shows ao vivo, nos quais prefere se ater aos standards dos Beatles e de sua carreira solo, como Live And Let Die e Band On The Run).
Os dois beatles tinham temperamentos difíceis. Lennon, em particular, era um tipo abrasivo, às vezes até violento - em uma crise de ciúme, chegou a dar com a cabeça da primeira mulher, Cynthia, contra uma parede. Era talvez inevitável que o choque entre eles resultasse na dissolução do grupo, em 1970. A influência da chatonilda Yoko Ono, o grande amor da vida de Lennon, sobre o fim do grupo costuma ser um tanto superestimada. Aliás, um defeito comum aos dois, na carreira-solo foi a inclusão de suas mulheres em shows e discos, em franca desproporção com o talento delas. Paul, pelo menos, parece ter sido feliz com a pandeirista Linda McCartney (o mesmo não se pode dizer de seu casamento com Heather Mills, que há doius anos lhe arrancou 85 milhões de reais em um divórcio litiginoso). A despeito da cultivada imagem de casal maluco beleza, a união de Lennon com Yoko teve lançes que beiram a patologia: em certo período, ela passou a negar sexo ao parceiro, que se entregava então compulsivamente a práticas solitárias.
Aparentemente conciliado com o antigo rival, McCartney hoje até inclui músicas da carreira solo de Lennon, como Give Peace A Chance, no repertório de Up And Coming, turnê que ele traz ao Brasil. E, claro, toca várias canções dos Beatles. 'Um dia, quando eu lançar um disco realmente bom, quem sabe eu possa deixá0las de lado'', ironizou ele certa vez. Não há escapatória: Paul McCartney será para sempre o parceiro de John Lennon, seu rival.
O fla-flu do Rock
Item por item, o embate entre dois beatles - John Lennon e Paul McCartney
- Melodia
McCartney foi o idealizador de discos como Revolver e Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, que fizeram a banda amadurecer. Mas Lennon compôs canções como Tomorrow Never Knows e A Day In Life, inovadoras nos arranjos e ousadas na melodia
Paul McCartney *
John Lennon *
- Letras
Depois de ouvir orientações de Bob Dylan, em 1965, Lennon começou a fazer letras mais pessoais, com jogos de palavras criativos e assuntos inusitados, como em I Am The Walrus (Eu Sou A Morsa). McCartney era bom nas mensagens sentimentais, como em The Long And Winding Road e na lindíssima She´s Leaving Home
Paul McCartney
John Lennon *
- Inovação
Lennon ficou com fama de provocador. Mas, em boa parte do tempo, estava chapado demais para exercê-la. McCartney, assim, foi o verdadeiro beatle de vanguarda, Frequentava galerias de arte, era obcecado por técnicas de estúdio e introduziu novos elementos sonoros na música dos Beatles - como o solo de trompete de Penny Lane, inspirado em Bach.
Paul McCartney *
John Lennon
- Moda
McCartney frequentava o mundo da moda em Londres, e foi dele a idéia para os figurinos de Sgt. Peppers. Hoje, sua filha Stella é uma estilista respeitada
Paul McCartney *
John Lennon
- Sucesso com as fãs
McCartney, todo certinho, era chamado de ''o beatle bonitão''. Já Lennon tinha um apelo mais selvagem e imprevisível - foi ele quem descreveu as turnês da banda como orgias intinerantes
Paul McCartney *
John Lennon
- Escolha de mulheres
Os dois encontraram o grande amor no fim da década de 60: McCartney casou-se com a americana insossa Linda Eastman; Lennon com a japonesa chatonilda Yoko Ono. Ambos a puseram para cantar. Antes não o tivessem feito
Paul McCartney *
John Lennon
- Trato com os mortais
Lennon e McCartney eram difíceis no trato com os fãs, mas a acidez de Lennon causava mais danos. Ele chegou a fazer um músico que o admirava, da banda Turtles, desistir da carreira.
Paul McCartney *
John Lennon *
- Carreira pós-Beatles
No trabalho-solo, ambos lançaram discos ótimos e sofríveis. Lennon, porém, emplacou mais canções realmente memoráveis, como Imagine e Happy Christmas (War Is Over)
Paul McCartney
John Lennon *
PLACAR FINAL:
Paul McCartney:
6
John Lennon :
4
2 comentários:
Gostei da matéria, mas acho que esse ''item por item'' não ficou muito justo. Por exemplo, em Escolha das mulheres, por que ele deu ponto para Paul ?
E John Lennon também fazia sucesso com as fãs.
E vocês, o que acham ?
Sempre achei que John Lennon foi muito endeusado pelos fãs sem ter tanto merecimento. Dizia ser a favor da paz mundial, mas foi taxado como hipócrita, pelo homem que o matou.
McCartney pelo menos parece ser uma pessoa mais humilde que John
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